terça-feira, 20 de julho de 2010

Artigo: Bordieu: Moda e Poder Simbólico

Férias agitadas e falta tempo pra postar aqui.
Peguei um livro pra ler e quero muito conseguir ir até o final porque ultimamente tem sido difícil.
O livro: "Livre Troca", que se trata de um diálogo entre o artista plástico Hans Haacke e o sociólogo/filósofo Pierre Bourdieu acerca do sistema formador da arte. Falo mais sobre o livro nos próximos posts, pois estou separando algumas citações para comentar aqui, é muito interessante a todos que se interessam por arte, moda, jornalismo e tudo que move a indústria cultural no mundo contemporâneo.
Mas como introdução a este livro, quero falar um pouco da minha "relação" com o Pierre Bourdieu. Fiz a disciplina Teorias do Poder no começo de 2009. O professor, ao final da disciplina, pediu que fizéssemos um artigo sobre algum dos autores vistos acerca do assunto, que era a teorização do poder. Li todos os textos e não achava nada que me despertasse a vontade de dissertar sobre...pensei um pouco em escrever sobre Foucault, e deixava sempre de lado um texto do Pierre Bourdieu que tinha dado uma olhada na primeira aula e pensava ser uma bobagem: era o "Poder Simbólico". Pensava: se é simbólico, não é concreto o suficiente para que se fale sobre ele. Faltando uma semana para a entrega, ainda não tinha escrito nada, estava no maior dilema tentando escrever sobre as teorias de Hannah Arendt. Quando peguei por um acaso o texto do Poder Simbólico para ler, e simplesmente me encantei com este, que é um dos maiores pensadores do mundo contemporêneo. Essencial para quer quer teorizar sobre moda, arte e poder simbólico.
Segue então o artigo que escrevi sobre ele:


1.Introdução
Através da base teórica do sociólogo Pierre Bourdieu, falarei acerca de um assunto muitas vezes visto como superficial e fútil para muitas pessoas.
A moda desperta essa visão pelo seu julgamento rápido, visual, que passa despercebido no dia-a-dia das pessoas. O fato é que as aparências causam efeito, despertam diversos tipos de emoções, sensações e ações.
O sentido mais atuante na percepção do mundo na raça humana é a visão. A segunda a audição.
Os que julgam a moda como fútil preferem que as coisas sejam apreendidas por meio da audição, mesmo que seja uma “audição visual”, dada por meio da leitura. Mas esta faz um efeito secundário.
A moda é um meio de comunicação rápido, as roupas exercem seus papéis de símbolos, significando sempre algo entendido na mente de cada um. Assim, antes de ouvir, antes de saber o que se passa na mente de alguém, é feito um julgamento visual inevitável.
Quis assim romper esses paradigmas e provar a mim mesma e a outras pessoas que a filosofia é importante para um profissional/estudante de moda e que a moda não merece essa repulsa encontrada nos que se interessam por filosofia.

2.Os Sistemas Simbólicos

            Existem diversas formas de comunicação que vão além da linguagem falada e escrita. Sendo assim, as pessoas podem se comunicar em muitos níveis, por diversos motivos e de muitas formas diferentes.
            Pierre Bourdieu fala de um “sistema simbólico”, que é um conjunto de signos compreensíveis a um grupo de indivíduos. Os sistemas simbólicos são utilizados pela sociedade para funcionar como instrumentos de conhecimento e de comunicação, visando à integração e ao mesmo tempo à disputa. Estas disputas objetivam a identificação e diferenciação dos diversos grupos sociais existentes.
             Pode-se considerar que os sistemas simbólicos são instrumentos de poder, já que constróem a realidade e um sentido imediato ao mundo.
            Segundo Bourdieu, as relações de comunicação são sempre relações de poder que dependem em forma e conteúdo do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes.
            Durkhein fala de um “conformismo lógico” derivado dessa construção de realidade pelos sistemas simbólicos, este fornece as categorias básicas de pensamento e de linguagem que estruturam os parâmentros de construção social de regras, valores e costumes. Os símbolos são instrumentos fundamentais de integração social, a base lógica sobre a qual se constroem as concordância das inteligências e o próprio entendimento coletivo da realidade social. Essa integração lógica é a condição para a integração moral.
            Como instrumentos estruturados e estrurantes é que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou legitimação da dominação e contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra, é o que Bourdieu chama “violência simbólica”.
            A cultura dominante assegura uma comunicação imediata entre todos os seus membros, distinguindo-os das outras classes.
            A comunicação, então, tem uma funçaõ oculta de divisão. Da mesma forma que une, separa e legitima as distinções, compelindo todas as culturas (denominadas sbuculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.

3.Capital Simbólico
           
            Os detentores do poder simbólico reconhecem que o capital econômico já não garantem mais sua distinção. Logo buscam novos signos que sejam mais eficazes como instrumentos de distinção social.
Bourdieu desenvolveu o conceito de capital simbólico para designar as diversas formas de capital, indo além do conceito econômico, levando em consideração, além dos acúmulos materiais, acúmulos culturais, sociais, políticos, intelectuais...É da complexidade da composição desses capitais que emerge a noção de capital simbólico.
            Quanto mais fácil for a assimilação de um novo hábito por parte de outros grupos que visam a ascensão social, mais rápido esse hábito perderá prestígio entre os detentores do poder simbólico.

4.Moda, Distinção e Poder

            Desde o surgimento da moda até os dias contemporâneos, ela tem sido um diferenciador de classes.
            Enquanto as classes mais altas estão sempre em busca de se diferenciar de seus inferiores, o “mimetismo do desejo”, segundo Lipovetsky, provoca nos inferiores a vontade de  se assemelhar àquele que brilham pelo prestígio e pela posição.
            De acordo com Kátia Castilho, a possibilidade de redesenhar o próprio corpo em razão  da eterna insatisfação humana com a  própria aparência é um dos moventes que permitem que permite a transformação do ser humano biológico em ser cultural. A imagem que um sujeito faz cria de si mesmo exprime-se em codificações – tidas como símbolos. Essa montagem discursiva do corpo resulta na (re)arquitetura anatômica de seu corpo e de todas as suas modalidades expressivas e narrativas.
            Essa motivação pelo estético se dá pelo impulso humano de olhar e pelo desejo de ser olhado.
            Bourdieu fala do habitus, que é um conjunto ordenado de disposições que estrutura  a ação sobre o mundo e cuja regularidade é orquestrada pela apreensão subjetiva das formas estruturais de organização social e das regras sociais decorrentes dela.
            É por funcionar através de mecanismos ocultos ao observador que o habitus atua de maneira tão eficaz na produção da hierarquização social e da distinção, deixando parecer que os gostos gerados derivam da própria  natureza do indivíduo, levando-nos a interpretar de modo equivocado os gostos estéticos.
            Em A distinção, Bourdieu fala dos gostos, apresentando-os como assunto subjetivo unificado  e como método para produzir e reproduzir as diferenças de poder  entre as classes. O autor diz que os gostos são, antes de tudo, aversão, feita de horror ou de intolerância visceral aos outros gostos, aos gostos dos outros. Ele afirma que a intolerância estética exerce violências terríveis. A aversão pelos estilos de vida diferentes é, sem dúvida, uma das mais fortes barreiras entre as classes.
            Por meio das diferenças são produzidas as identidades. Assim, diferença e identidade tornam-se disputas entre os grupos sociais assimetricamente situados em relação ao poder.
            Para mostrar as identidades e diferenças ao mundo, os homens utilizam a moda, pois é uma forma rápida e fácil de distinguir e identificar.
            Desde o nascimento, o ser humano é moldado a pertencer a um certo grupo. A nudez, seu estado natural, é ocultada pela cultura desde a primeira aparição do sujeito, no momento em que nasce, pela decoração corpórea e vestimentar que o acompanha até a morte e sempre lhe confere uma identidade social e cultural.
            O corpo nu, desprovido de roupa, pertence à natureza, mais a cultura proíbe – há códigos coercitivos instaurando essa ordem. A necessidade de vestir acaba sendo uma vontade e o ato acaba sendo visto como natural.
            Os sistemas simbólicos devem sua força justamente ao fato de as relações de força exprimidas nele se manifestarem de maneira irreconhecível através de relações de sentido.
            Bourdieu fala de uma ação sobre o mundo, um meio de obter o equivalente daquilo que é obtido por meio ad força, graças ao efeito de mobilização desta ação, que, por sua vez, só se exerce se o poder simbólico for reconhecido e ignorado como arbitrário.
            O poder simbólico se define numa relação determinada entre os que exercem o poder e os  que lhe estão sujeitos.
            No campo da moda, aonde se pode observar uma hierarquização, já que esta, ao longo da história, costumou caminhar de cima para baixo, já se pôde notar momentos históricos em que essa ordem se subverteu por meio de uma ação contestadora de uma ordem. Foi o caso do movimento hippie  da década de 1960, que confrontou de maneira bastante perturbadora com os modos de vestir, questionando-os, reavaliando-os e transformando-os. As performances daquele momento impunham um não se fazer igual ao grupo social dominante. Torna, assim, a vestimenta, um marco político-social de imposição dos valores subjugados no período.

4. A Classe Dominada

            A adaptação a uma posição dominada implica uma forma de aceitação da dominação.
            Com essa reflexão, Bourdieu começa a refletir acerca dos estilos de vida das classes dominadas. O autor coloca que o reconhecimento dos valores dominantes se dá por um sentimento próprio de incompetência, fracasso e indignidade cultural.
            Uma das formas mais explícitas de separação de classes e evidência de dominação é a divisão do trabalho entre braçais aos dominados e intelectuais aos dominantes.
            A falta do consumo de luxo provoca nas classes dominadas uma baixa-estima que é aliviada por certos substitutos. Pode-se observar nessa classe um grande consumo (tendo em vista suas condições salariais) de itens de vestuário, seguindo principalmente as tendências lançadas pelos meios midiáticos, além de imitações das grandes marcas, a aderência de couro sintético e/ou “jóias” folheadas a ouro.
            Desprovidos de capital cultural, que é a condição da apropriação conformista, os trabalhadores comuns são dominados por instrumentos e máquinas que lhes despejam por meio de seus detentores legais, meios teóricos de lhes dominar.
            Esses meios distribuem  conteúdos vazios  e simples e criam a imagem  de pessoas fora do comum. Grandes “estrelas”, super-heróis dos esportes, reduzindo seus expectadores a consumidores e fanáticos, dedicados a uma participação passiva e fictícia.
5. Considerações Finais
           
            Portanto, na guerra vivenciada diariamente, a moda não pode ser reduzida a figurino ou figurante.
            Dentro da guerra pelo poder, da guerra das classes, a moda é um participante ativo. Mudo, porém, comunicativo, capaz de provocar muitos efeitos. Efeitos em uma sociedade subjugada que não vê meios de mudar, permanecendo assim a viver se arrastando aos pés de uma classe feita superior.
            A fabricação dessa superioridade é exercida pelos dois lados. Só existe um superior com o consentimento de um inferior. Dessa forma, o poder é uma fábrica dirigida e arquitetada pelos ditos superiores. E os operários desta fábrica, que aceitam servir ao poder, são as classes ditas inferiores. Sem eles, a fábrica não funcionaria. Dentro desta fábrica é fácil distinguir os que são operários e os que possuem cargo superior. Eles vestem a diferença.
            Essas coisa, quer dizer, esses símbolos, permeiam o nosso dia-a-dia de forma tão automática que acabamos esquecendo sua existência. Mas, já que uma lei proíbe, não podemos andar nus. Por isso a moda continuará a agir onipresentemente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CASTILHO, Kátia. Moda e Linguagem. são Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2003
BOURDIEU, pierre. A distinção - crítica social do julgamento. 1ª reimpressão. Ed.: Zouk.USP,2008
KELLY, Emanuelle. R.R; Nunes, J.V. Moda e Consumo como Mecanismos de integração e conflito na contemporaneidade. In IV Colóquio de Moda, 2008, Gramado. Anais do IV Colóquio de Moda. Gramado. Ed.: Feevale, 2008
MIGUELES, Carmem(org.). Antropologia do Consumo: casos brasileiros. rio de Janeiro. Ed.: FGV, 2007

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